O concelho de Seia prepara-se para receber uma das mais avançadas centrais de produção de hidrogénio verde do país. O projeto, liderado pela HEN – Serviços Energéticos, empresa tecnológica sediada na Guarda, representa um investimento superior a 8 milhões de euros e deverá iniciar a produção até julho de 2026, colocando o interior no mapa da inovação energética nacional.


A HEN – Serviços Energéticos, uma empresa de base tecnológica fundada em 2012 e sediada na Plataforma Logística da Guarda, está na linha da frente da transição energética em Portugal. A empresa, que começou como uma startup focada em eficiência energética, prestando serviços a IPSS e autarquias na região (incluindo iluminação pública em concelhos como Covilhã, Belmonte, Seia e Meda), evoluiu para se tornar um ator-chave na produção de hidrogénio verde.
Com investimentos em projetos de hidrogénio verde, a empresa está a criar um ecossistema de inovação que visa reter talento no interior do país, com a criação de cerca de 46 postos de trabalho especializados entre Seia e Vila Chã.
A Central de Produção de Hidrogénio Verde, um projeto ambicioso, que vai ser desenvolvido na Senhora do Desterro, em São Romão, visa a instalação de um eletrolisador de 5 MW, que permitirá abastecer camiões e autocarros de longo curso com hidrogénio de elevada pureza, substituindo combustíveis fósseis e reduzindo significativamente as emissões. A infraestrutura, que exigirá a demolição de antigos edifícios de lanifícios aí existentes, irá dar lugar a uma central moderna e tipificada, controlada e monitorizada 24 horas por dia.
Este é um percurso marcado pelo pioneirismo da HEN, empresa que se assume como pequena e do interior, mas “a desbravar caminho”. Contudo, a jornada exigiu uma mudança tecnológica radical e uma batalha contra o que o promotor descreve como “excesso de burocracia”.

Hidrogénio de alta pureza para a mobilidade
A central terá como foco a produção de hidrogénio puro para mobilidade. Ao contrário de projetos que injetam o hidrogénio na rede de gás natural (blending), esta unidade está dedicada a alcançar uma pureza de 99,99999%, essencial para o armazenamento e pressurização seguros do combustível.
O mercado-alvo deste hidrogénio de alta densidade energética são os veículos pesados (camiões e autocarros), onde o hidrogénio apresenta vantagens significativas sobre as baterias elétricas a longas distâncias. A logística de transporte, que é feita através de atrelados de camião (semelhante a bombas de combustível), é considerada facilitada pelo baixo peso do hidrogénio.
Central de Hidrogénio Verde de Seia irá reter talento e é a chave para fixar profissionais
O desenvolvimento de projetos de alta tecnologia é visto como crucial para a fixação de talento no interior do país. Ao JSM, Carlos Oliveira, CEO da empresa e sócio maioritário da empresa, salienta que consegue reter engenheiros e profissionais qualificados, não apenas através de salários competitivos (embora admitindo não igualar os do litoral ou de países europeus), mas principalmente através da oferta de projetos aliciantes e carreiras que promovem o crescimento e a especialização. O CEO da empresa admite, ainda, que mantém os seus profissionais “cá em Portugal” e “na HEN” porque lhes oferece “oportunidades para crescerem”. “As pessoas que tenho aqui, estão pelos projetos que aqui se desenvolvem. As pessoas estão motivadas e no saem. Tenho aqui excelentes profissionais e sei que eles gostam muito de estar na empresa.”
Numa altura em que o interior do país luta para reter talento qualificado, uma empresa de tecnologia como esta, promotora da Central de Produção de Hidrogénio Verde em São Romão, está a provar que a inovação é a chave para fixar profissionais. A Central de Hidrogénio Verde é, assim, um motor para a criação de um ecossistema que valoriza o conhecimento técnico na região.
Estrutura inovadora
Para garantir esta retenção de “saber e conhecimento”, a empresa abandonou a tradicional estrutura de liderança piramidal. Adotou, em seu lugar, uma estrutura matricial, comum em empresas de tecnologia, que é focada no projeto.
Neste modelo, “toda a gente é chefe de toda a gente”, dependendo do projeto e o líder é definido como “quem sabe dar liberdade”, refere Carlos Oliveira.
Ainda segundo o CEO, esta filosofia promove um ambiente de trabalho sem rotinas, com “algo em movimento” constante, valorizando o profissional pela sua contribuição técnica e pelo seu crescimento na carreira.
Da América à China
Inicialmente, o projeto de Hidrogénio Verde tinha como parceiro tecnológico o cluster norte-americano, tendo a empresa trabalhado nessa direção durante cerca de um ano e meio. No entanto, após uma análise aprofundada, a empresa optou por virar-se para o cluster chinês.
Segundo o CEO da empresa, Carlos Oliveira, a decisão foi motivada por critérios de fiabilidade e custos. O empresário visitou a China e verificou que a tecnologia asiática apresentava maior fiabilidade, com “muitos mais anos de uso contínuo e de sistemas em operação”, em contraste com os sistemas que estariam “sempre parados” noutros locais. “A China trabalha há anos nisto e sabe bem o que está a fazer. Por isso sei que é fiável,” concluiu o responsável.
Esta alteração obrigou a refazer todos os parâmetros da candidatura e o contrato inicial, o que resultou numa redução do apoio financeiro. A mudança para a tecnologia chinesa foi aceite pelo Fundo Ambiental em dezembro do ano passado (2024), com uma alteração física, temporal e financeira no termo de aceitação.
O preço da burocracia no Interior
O projeto é visto como um esforço para que Portugal seja pioneiro no setor, mas o seu desenvolvimento tem sido atrasado pela complexidade dos trâmites legais e pela falta de experiência da máquina estatal em lidar com este tipo de projetos inovadores.
O promotor da central de Seia fala no ambiente de “excesso de burocracia”, que acarreta “falta de competitividade” e dificulta o cumprimento do calendário. O CEO sublinha que o problema não é a burocracia em si, que considera boa por “responsabilizar”, mas sim o seu excesso.
Atualmente, o projeto está na fase final de cumprimento de formalidades legais, como a contratação pública. Todo o processo, desde a contratação à Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) para parecer técnico, é “muito filtrado”, obrigando a empresa a atuar com “muita prudência”.
Para Carlos Oliveira, o maior desafio já não é a execução, mas sim a preparação burocrática: “O que se vê é nada. Mas nós estamos num ecossistema em que fazer não é difícil. O que é difícil é toda a preparação para a execução”.
Com o contrato da obra de construção civil prestes a ser assinado, o promotor mantém a data-limite inabalável de julho de 2026 para o arranque da produção de Hidrogénio Verde.
O investimento em equipamento para a central está avaliado em cerca de 8,2 milhões de euros, com custos adicionais em acessórios, engenharia e peças sobressalentes.
Criação de emprego especializado e apoio do Município de Seia
O projeto em São Romão prevê a criação de 16 postos de trabalho efetivos, focados em técnicos especializados nas áreas de mecânica, eletricidade e eletrónica. O CEO salienta que este tipo de projeto de inovação é essencial para criar ecossistemas que valorizam e ajudam a reter profissionais qualificados no interior do país.
A nível local, a cooperação da Câmara Municipal de Seia tem sido destacada como “excelente”, nomeadamente na celeridade e análise dos processos, demonstrando compreensão pelas dificuldades burocráticas associadas a projetos de inovação desta natureza.
Outro projeto: Fábrica de assemblagem em Vila Chã
Além da central em São Romão, a empresa planeia instalar uma fábrica de assemblagem de sistemas de produção de hidrogénio verde, na Zona Industrial da Abrunheira, na Vila Chã (Seia), onde serão produzidos sistemas de pequena escala, de até 250 kW, que irá colmatar uma falha no mercado europeu.
A fábrica na Vila Chã irá criar cerca de 30 postos de trabalho efetivos, é um projeto apoiado pelo IAPMEI e terá um investimento de 5,2 milhões de euros.
O processo está em licenciamento e fase de concurso público. Carlos Oliveira optou por realizar um concurso público para a construção e aquisição de equipamentos, mesmo que não fosse legalmente obrigatório, por uma questão de “prudência” e por não se sentir confortável em usar milhões de euros públicos sem o procedimento.
Riqueza do país assente em tecnologia
O empresário defende que a aposta em projetos de Hidrogénio Verde, como os que estão em curso na região, é vital para a competitividade de Portugal.
“A riqueza de um país também tem muito a ver com o investimento em inovação e novas tecnologias”. Para o CEO, a atualização tecnológica é uma obrigação, pois “se nós não nos atualizamos tecnologicamente, tendencialmente somos cada vez menos competitivos”.
No total, os dois grandes investimentos da empresa em Seia — a Central de Hidrogénio em São Romão e a fábrica de assemblagem na Vila Chã (avaliada em 5,2 milhões de euros) — irão criar cerca de 46 postos de trabalho efetivos altamente especializados, injetando conhecimento e valor técnico na região.





