Por Paulo Hortênsio

A Teoria da Aversão à perda (ou da perspetiva) de Daniel Kahneman e Amos Tversky pode explicar através de um quadro teórico bastante interessante porque, em contextos eleitorais locais como o Concelho de Seia, os Eleitores podem reforçar o partido no governo apesar das críticas ao seu desempenho.
Em termos práticos, mudar de liderança é percebido pelos Eleitores não apenas como uma possível recompensa (ganhos futuros), mas sobretudo como um risco imediato de perda (serviços, benefícios, estabilidade), e esse medo de perda tende a favorecer a opção menos arriscada, ou seja, manter o já conhecido.

Esse mecanismo explica porque os Eleitores insatisfeitos podem preferir a continuidade quando a alternativa é percebida como incerta.
1. Dados principais
- Em 2025, o Partido Socialista (PS) obteve 49,44% dos votos para a Câmara Municipal de Seia (6.554 votos).
- O Partido Social Democrata (PPD/PSD) ficou em segundo lugar com 33,83% (4.484 votos).
- Outras forças: Chega 8,44% (1.119 votos); Coligação Democrática Unitária (PCP-PEV) 2,43% (322 votos); CDS‑PP 2,11% (280 votos).
- Comparativo com 2021: PS tinha então ~43,68% (5.618 votos), PSD ~24,59% (3.163 votos), e a lista local Juntos pela Nossa Terra (JPNT) 17,75% (2.283 votos).
- Taxa de participação: 65,58% em 2025 (13.256 votantes / 20.215 inscritos).
2. Reflexão à luz da Teoria da Aversão à perda
A teoria de Kahneman / Tversky destaca que os Eleitores avaliam potenciais perdas com mais intensidade do que ganhos equivalentes, ou seja, manter o “status quo” pode parecer menos arriscado do que optar por uma mudança, mesmo que essa mudança prometa melhorias.
Neste contexto, no caso do Concelho de Seia:
- O facto de o PS ter reforçado a sua votação, apesar de haver críticas ao seu desempenho nos últimos quatro anos, sugere que muitos Eleitores escolheram a continuidade como forma de evitar o risco de perda associado à mudança de liderança.
- O projeto alternativo (PSD com o apoio do JPNT) pode ter sido visto como uma novidade promissora, mas talvez implicasse também maior incerteza e essa incerteza pesa fortemente segundo a aversão à perda.
- A subida da participação na votação, ou seja, a redução da abstenção para 65,6% sugere que mais pessoas se sentiram mobilizadas, mas mesmo assim a distribuição dos votos favoreceu a continuidade, o que reforça a ideia de que o “risco da mudança” dominou a perspetiva dos Eleitores.
3. Implicações para o mandato 2025-2029
- Para o PS: o reforço da maioria cria uma margem política confortável, mas a teoria da perspetiva sublinha que o eleitorado espera evitar perdas concretas, isso significa que a governação deve visar resultados visíveis e rápidos, de modo a reduzir o risco percebido pelos Cidadãos de que algo vá piorar.
- Para a Oposição: o desafio será reconfigurar a narrativa, não bastará apontar falhas à governação, é preciso mostrar claramente o que se deixa de ganhar se a mudança não for feita (apelo à aversão à perda) e o que se ganha concretamente com a alternativa, com menor incerteza.
- Para a participação democrática: embora a subida da participação seja positiva, a teoria alerta para o facto de que muitos Eleitores votam para “não perder” mais do que para “ganhar”. Por isso, torna-se relevante compreender o que mobiliza esses Eleitores e como reduzir a perceção de risco associada à mudança.
Do ponto de vista da Teoria da Aversão à perda, há vários fatores comportamentais em jogo no Concelho de Seia:
(1) referência à governação – o desempenho passado define o ponto de referência;
(2) avaliação assimétrica de perdas/ganhos – cortes de serviços ou mudanças bruscas ponderam muito mais que promessas de melhorias;
(3) aversão ao risco em domínios de ganho e busca de risco em domínios percebidos como perda – se o eleitorado julga que a mudança implicará perda imediata, tende a evitar a alternativa;
(4) moldura cognitiva e narrativa – a forma como as propostas são comunicadas (enfatizando riscos ou ganhos) modifica decisivamente a escolha; e
(5) sinalização de competência e confiança – governantes bem-sucedidos em transmitir a sua competência diminuem a incerteza associada à sua manutenção. Estes mecanismos ajudam a entender porque um projeto alternativo (o do PSD com apoio do JPNT) pode não ter sido suficientemente persuasivo para transformar insatisfação em voto de mudança.
Esta explicação não é teoria pura pois tem implicações estratégicas claras.
Assim, se a Oposição quiser converter insatisfação em vitória, não basta criticar o passado, sendo preciso reformular a mudança como uma redução de perdas e uma garantia de ganhos concretos e imediatos. Algumas recomendações práticas: propostas-piloto visíveis e de baixo risco (para minimizar o receio de perda), garantias contratuais/cronogramas claros que reduzam incerteza, comunicação que reestruture a mudança como recuperação de direitos perdidos ou proteção de serviços (apelo às aversões à perda), e construção de mensagens que mostrem custos e benefícios num horizonte curto e verificável.
Por outro lado, a governação que quer consolidar apoio deve trabalhar para transformar ganhos discretos (pequenas melhorias tangíveis) em novos pontos de referência, pois assim a perceção relativa melhora e a aversão à perda continua a jogar a seu favor.
Em suma, a leitura prospetiva de Kahneman ajuda a explicar porque é que votantes críticos nem sempre optam pela novidade: a inércia eleitoral muitas vezes é uma decisão racional perante a incerteza emocionalmente amplificada pela aversão à perda.
Em Seia, os números recentes confirmam essa tendência e convidam tanto os governantes como os opositores a desenharem estratégias que tenham em conta não só o conteúdo das propostas, mas sobretudo como essas propostas são enquadradas face ao temor dos Eleitores de perder o que já têm.





