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Crónicas do Oriente — O Camboja, entre a dor e a doçura

Por João Ferrão

Há viagens que não se medem em quilómetros, medem-se em horizontes. E há horizontes que só a Ásia é capaz de oferecer.


A quem tem a possibilidade de o fazer, digo com convicção: visitar a Ásia, nem que seja uma vez na vida, é uma experiência que transforma. Não apenas pelas paisagens de cortar a respiração, pelas praias de postal ou pelos aromas que se misturam entre o incenso, o jasmim e o caos das ruas. Mas, sobretudo, pela oportunidade rara de olhar o mundo através de culturas que nos são profundamente diferentes — e, nesse espelho, redescobrirmos o que somos.

Um dos primeiros países que visitámos neste lado do mundo foi o Camboja.
Foi uma viagem por três regiões tão distintas quanto complementares: Phnom Penh, a capital caótica e vibrante; Sihanoukville, a janela marítima que mistura o exotismo com a ambição moderna; e Siem Reap, onde o passado se ergue em pedra, em templos que parecem suspensos no tempo.

Até hoje, foi uma das viagens mais marcantes da minha vida.

Para quem não conhece a sua história, o Camboja é um país que carrega nas costas o peso de uma tragédia recente. Nos anos 70, sob o regime de Pol Pot e dos Khmer Vermelhos, viveu uma das ditaduras mais brutais do século XX — um genocídio que ceifou a vida de quase dois milhões de pessoas. O país foi reduzido a ruínas humanas e materiais, mergulhando numa pobreza que ainda hoje deixa marcas profundas.

E, no entanto, é difícil encontrar um povo mais afável, mais sorridente, mais genuinamente gentil.

O Camboja é um exemplo de como a bondade pode florescer mesmo sobre as cinzas da dor.
Começamos a nossa viagem pela capital, Phnom Penh — e é exatamente o que aconselho a quem deseje visitar o Camboja.
É aqui, mais do que em qualquer outro lugar, que recai o peso da História.

Entre as ruas barulhentas e o movimento constante, esconde-se uma cidade que vive com as cicatrizes à flor da pele. A visita às antigas prisões, hoje transformadas em museus, e sobretudo aos Killing Fields, é uma experiência que ninguém esquece.

Ali, o silêncio tem uma presença quase física — absorve-nos, consome-nos, e por breves instantes conseguimos sentir, sem nunca o termos vivido, a dor de um povo inteiro.

Por isso, recomendo começar por aqui: porque terminar umas férias com tamanha carga emocional não será talvez a melhor forma de regressar a casa.
Durante a estadia em Phnom Penh, ficámos alojados num pequeno hotel (The Pavilion) de arquitetura francesa, acolhedor e rodeado por um verde refrescante que parecia proteger-nos do ruído e do calor da cidade.

Esse charme colonial, ainda visível em muitas fachadas e avenidas largas, é herança do período em que o Camboja integrou a Indochina Francesa, entre meados do século XIX e meados do século XX.
Os franceses deixaram marcas profundas na organização urbana, na gastronomia e até na forma de viver: cafés com varandas de ferro forjado, padarias onde o cheiro do pão fresco se mistura com o incenso dos templos, e uma nostalgia latente que persiste nas esquinas mais antigas.
É curioso como um país tão marcado pela dor conseguiu preservar também esta elegância serena, uma mistura improvável de Oriente e Ocidente que torna Phnom Penh uma cidade de contrastes — e talvez por isso, inesquecível.
Este hotel onde ficámos situava-se a poucos minutos do Palácio Real, uma das visitas obrigatórias de Phnom Penh.

Erguido no final do século XIX, o Palácio Real é um testemunho vivo da herança khmer e da influência francesa, com os seus telhados dourados e jardins meticulosamente cuidados. Lá dentro, o Pavilhão de Prata, com o chão revestido por milhares de azulejos de prata maciça, guarda relíquias sagradas e uma serenidade quase espiritual.
É impossível não sentir ali uma certa continuidade — como se o país, apesar de tudo o que sofreu, ainda encontrasse na figura do rei um fio de unidade e esperança.
Hoje, o Camboja mantém uma monarquia constitucional, encabeçada pelo Rei Norodom Sihamoni, um soberano de perfil discreto e profundamente respeitado, mais símbolo de equilíbrio do que de poder político efetivo.

O palácio, com a sua imponência tranquila, é o espelho dessa mesma realidade: um país que tenta conciliar a tradição e a modernidade, o passado e o futuro.
Phnom Penh é uma cidade que revela os seus encantos lentamente, e há muito mais para descobrir para além do peso da sua história. O Mercado Central, com a sua cúpula art déco e um colorido que parece desafiar o tempo, é um labirinto de aromas, tecidos e vozes onde se sente o pulso autêntico da vida local.

Vale também a pena visitar o Museu Nacional, guardião das mais belas esculturas do império khmer, ou caminhar ao entardecer pelo passeio ribeirinho junto ao rio Tonlé Sap, onde monges de túnicas açafrão se misturam com famílias, vendedores e viajantes, todos em harmonia com o pôr do sol que tinge as águas de dourado.

Phnom Penh é isso mesmo: uma cidade de contrastes — entre o sagrado e o profano, o antigo e o moderno, a dor e a esperança.
Depois de alguns dias a mergulhar nesta mistura intensa de emoções, seguimos viagem de autocarro rumo a Sihanoukville, no sul do país. Foram várias horas de estrada, atravessando campos de arroz, vilas adormecidas e um verde sem fim que parece acompanhar-nos como promessa de descanso.

O destino: o mar, e com ele, uma nova forma de descobrir o Camboja — mais leve, mais solar, mas não menos inesquecível.
Sihanoukville, quando a visitei, era ainda um refúgio de serenidade.
As ruas eram simples, a arquitetura discreta, e as praias estendiam-se quase desertas, com aquele silêncio de lugares que ainda não foram descobertos. Quase não havia hotéis de luxo, nem o turismo massificado que hoje domina a paisagem.

Desde então, a cidade transformou-se profundamente: onde antes havia coqueiros e areia branca, ergueram-se casinos e torres de vidro, impulsionados por um investimento estrangeiro — sobretudo chinês — que mudou o ritmo e a alma do lugar.
Tive a sorte de conhecer Sihanoukville antes dessa metamorfose, quando o encanto estava precisamente na sua simplicidade, no som das ondas e na ausência de pressa.
Ainda assim, ao sul da cidade subsistem ilhas quase intactas, pequenos paraísos como Koh Rong ou Koh Rong Samloem, onde o tempo parece suspenso.

São o destino perfeito para quem procura uns dias de repouso depois da revolução de sentimentos vivida em Phnom Penh — o lugar ideal para deixar que o mar devolva a leveza ao espírito.
Enquanto estávamos em Sihanoukville, aproveitámos para visitar, durante dois dias, a região de Kampot, uma das zonas mais encantadoras do sul do Camboja.
Entre montes suaves e campos verdejantes, explorámos magníficas quintas de borboletas e as famosas plantações de pimenta preta, consideradas entre as melhores do mundo.

A pimenta de Kampot é uma herança dos tempos coloniais franceses e tornou-se símbolo de qualidade e orgulho nacional. Não é por acaso que, em qualquer restaurante local, o prato obrigatório é o caranguejo com pimenta de Kampot — uma combinação perfeita entre o sabor do mar e o perfume da terra.

A cidade conserva ainda belos edifícios da era francesa, com fachadas coloridas, janelas de madeira e varandas rendilhadas, que nos transportam a uma época em que o Camboja fazia parte da Indochina Francesa e Kampot era um pequeno porto comercial cheio de vida e elegância discreta.

Mas o que mais nos tocou nesta visita não foram apenas as paisagens ou os sabores.
Foi o lado humano, profundamente comovente. Entre cafés e escolas, é comum ver cartazes e programas que convidam os estrangeiros a “adotar” simbolicamente uma criança, tornando-se seus patrocinadores nos estudos.
É uma forma simples, mas comovente, de contribuir para o futuro de um povo que ainda carrega as marcas de um passado cruel.
Ver o sorriso das crianças, o brilho nos seus olhos e a esperança que renasce através da educação é, talvez, a maior lição que o Camboja oferece a quem o visita: a de que, mesmo depois de tanta dor, há sempre espaço para recomeçar.
Finalmente, viajámos para Siem Reap, e que melhor destino para terminar a viagem do que aquele que quase todos conhecem, ainda que apenas através do cinema?

Foi aqui que se imortalizaram as ruínas de Angkor Wat, cenário do filme Lara Croft: Tomb Raider, que levou ao mundo a imagem mágica dos templos cambojanos perdidos na selva.

Mas a realidade ultrapassa em muito qualquer ficção. Angkor Wat, construído no século XII, foi o coração do poderoso Império Khmer e é hoje um dos maiores complexos religiosos do planeta — um monumento dedicado originalmente a Vishnu, mais tarde convertido ao budismo, e que permanece como símbolo máximo da identidade cambojana.

Caminhar entre as suas torres e relevos é viajar no tempo, sentir o eco de uma civilização que ergueu pedra sobre pedra a sua própria eternidade. O nascer do sol em Angkor é uma daquelas experiências que as palavras dificilmente traduzem: quando o primeiro raio de luz atravessa as torres douradas e se reflete no espelho de água, compreendemos porque o povo do Camboja, apesar de tudo, nunca perdeu a fé.

Nas redondezas, é também imperdível a visita às “floating villages”, as aldeias flutuantes do lago Tonlé Sap.
Casas, escolas, igrejas e até mercados erguem-se sobre palafitas ou flutuam sobre balsas de madeira, adaptando-se ao ritmo das águas que sobem e descem com as estações.
É um retrato comovente da capacidade humana de se reinventar, mesmo quando o mundo em volta parece sempre em movimento.

a cidade de Siem Reap é hoje uma mistura perfeita entre tradição e modernidade. De dia, os mercados locais enchem-se de cores, cheiros e vozes — especiarias, sedas, esculturas, sorrisos.
À noite, a famosa Pub Street transforma-se num mosaico de luzes, música e aromas de cozinha de rua, onde se cruzam mochileiros, artistas e curiosos vindos de todas as partes do mundo.
Siem Reap tem a energia vibrante das cidades que vivem para receber e a serenidade das que sabem acolher.

Regressámos a casa com a alma cheia — e com a vontade certa de um dia voltar.
Porque o Camboja, como toda a Ásia, tem esse poder raro: o de nos fazer sentir pequenos diante da sua grandeza, e ao mesmo tempo enormes por termos tido o privilégio de a conhecer.

Viajar por estas terras não é apenas ver o mundo — é descobrir, em cada sorriso e em cada templo, um pedaço de humanidade que nos recorda o que realmente importa.

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