“Não receie o avanço da inteligência artificial; tema, sim, o recuo da inteligência natural.”
Esta frase, embora provocadora, levanta uma questão essencial no debate contemporâneo sobre o papel da tecnologia nas nossas vidas: estaremos tão focados no desenvolvimento da inteligência artificial (IA) que negligenciamos o cultivo da nossa própria?
Nas últimas décadas, os avanços na IA têm sido verdadeiramente notáveis. Sistemas capazes de escrever textos, compor música, diagnosticar doenças ou conduzir veículos estão a transformar profundamente a forma como vivemos e trabalhamos. Pela sua eficiência, rapidez e capacidade de processar grandes volumes de informação, estas tecnologias surgem como aliadas poderosas da humanidade.
Contudo, a par deste progresso, observa-se um fenómeno inquietante: o declínio da chamada inteligência natural. Não nos referimos apenas ao nível de literacia ou à formação académica, mas a capacidades humanas fundamentais como o pensamento crítico, a curiosidade intelectual, a reflexão e a empatia — competências que não se replicam em linhas de código.
Estamos a delegar cada vez mais tarefas cognitivas básicas às máquinas: já não memorizamos números de telefone, evitamos fazer cálculos de cabeça e recorremos à internet para responder às questões mais elementares. Mais grave ainda, deixamos que algoritmos decidam o que lemos, vemos e até pensamos. Numa era saturada de informação, o pensamento crítico tornou-se uma competência escassa — e, por isso, mais necessária do que nunca.
Este fenómeno é particularmente visível no sistema educativo. As escolas, que durante séculos se centraram na transmissão de conhecimento, enfrentam hoje um dilema: como ensinar numa época em que a informação está, literalmente, à distância de um clique?
Muitos docentes sentem-se desorientados perante alunos que usam a IA para gerar redações, resolver exercícios matemáticos ou traduzir textos com um simples comando. Ferramentas como o ChatGPT são vistas simultaneamente como ameaça e oportunidade. A questão é: estaremos a adaptar o ensino ao novo paradigma ou apenas a tentar preservar um modelo pedagógico que já não responde à realidade?
Se, por um lado, a IA pode potenciar a aprendizagem — ao personalizar o ensino, esclarecer dúvidas em tempo real e oferecer apoio constante —, por outro, o seu uso acrítico pode incentivar o facilitismo e a dependência tecnológica. O verdadeiro risco é o de educarmos gerações com menor capacidade de raciocínio autónomo, criatividade e resiliência intelectual.
É urgente repensar os currículos, valorizar os processos em detrimento dos resultados imediatos, cultivar o pensamento crítico e ensinar os jovens a usar a IA de forma ética, consciente e inteligente. O papel do professor deve evoluir: mais do que transmissores de conteúdos, são agora mediadores, orientadores e promotores da inteligência natural.
A inteligência artificial é, sem dúvida, uma ferramenta poderosa. Mas não substitui — nem deve substituir — a inteligência humana. Cabe-nos, enquanto sociedade, garantir que ambas evoluem em harmonia, uma ao serviço da outra. Não podemos permitir que, ao tentarmos criar máquinas mais inteligentes, deixemos de ser humanos mais sábios.
O futuro será definido, não pela inteligência das máquinas, mas pela forma como usarmos a nossa.